"De maneira mais genérica, uma criatura onisciente nunca perderia seu tempo vendo um filme, uma vez que já conhece o final. Não existe cinema para Deus. E, por conseguinte, ele, que não obstante sabe tudo, não sabe o que está perdendo..."

Ollivier Pourriol, no livro Cine Filô.

Comentários da Cristina Faraon

Blá...blá... blá...

Gonzaga: de pai para filho

domingo, 28 de outubro de 2012





É a história de Luiz Gonzaga, o rei do baião. É também um drama, que mostra o quanto sofreu pra alcançar a consagração e o quanto foram difíceis os anos de relacionamento conturbado com seu filho, o maravilhoso e saudoso compositor Gonzaguinha.

Saí do cinema muito emocionada. Eu e um montão de gente. Até aplaudiram ao final.

Várias cenas eu já conhecia muito bem. Quem gosta dele sabe que Luiz entremeava seus shows com "causos" da sua infância, sua juventude e tudo o mais. Ele ia cantando e contando coisas, geralmente engraçadas. Tudo que ele contava era com tanta graça que a gente se envolvia, ria ou chorara mas nunca mais esquecia. Em algumas cenas eu sabia cada fala, pois foram fiéis às gravações do Gonzagão contando histórias. Por exemplo, quando ele voltou da cidade grande e chegou na casa do pai de surpresa. Eu sabia também sobre o dia em que ele desafiou o coronel. Sabia porque ouvi ele mesmo contar. Ver tudo aquilo na tela foi muito gostoso.

É um desses filmes que a gente não pode perder por vários motivos. Luiz Gonzaga foi único.  Não vejo modo nem jeito e surgir alguém para ocupar o seu lugar. E ele mesmo não ocupou o lugar de ninguém. Veio e foi sem deixar discípulo. Nem seu filho que, mesmo sendo brilhante, era de um estilo completamente diferente do dele. Luiz Gonzaga com sua sensibilidade autêntica e muito simples, seu romantismo cheio de detalhes graciosos, bordado com flores e luares, a maneira de ver as coisas do sertão, amá-las e fazer com que elas se tornem bonitas também para nós, que não as conhecemos. Era uma mistura de simplicidade e poesia, alegria e sensibilidade. Luiz cantou um mundo que não existe mais. Fez música do jeito que os sertanejos de hoje adorariam fazer mas não conseguem. Tentaram no começo, mas já desistiram faz tempo. Não dá. Só ele compunha como compôs porque jogou um olhar meiogo sobre tudo o que viveu e falava com sua própria linguagem; nunca precisou imitar a fala do sertanejo ou dar uma de caipira para fazer música. Ele trazia pra fora o que naturalmente lhe brotava, despretensiosamente, como quem conta um causo na soleira da casa tomando cafezinho. Quem desfila de cabine dupla tem dificuldade em fazer qualquer coisa parecida com

"Ai ai que bom, que bom que bom que é
Uma estrada e a lua branca
Com a gente andando a pé ...
Uma estrada e uma cabocla
No sertão de Canindé...
...Mas o pobre vê nas estradas
O orvalho beijando a flor
Vê de perto o galo-campina
Que quando canta muda de cor
Vai molhando os pés no riacho
- Que água fresca, nosso Senhor!
Vai olhando coisa a grané
Coisa que pra modo de ver
O cristão tem que andar a pé!..."

O filme é imperdível também porque mostra um mundo não tão antigo, mas que acabou debaixo de nossas barbas sem que déssemos conta. Esse mundo tinha que ser registrado se não alguém ainda ia aparecer para dizer que nunca existiu. Fala de um amor à família, ao seu lugar, sentimentos de honra, de um gosto de dançar que os jovens de hoje desconhecem.  É só sair a noite que você vai ver a lástima que é. O que se vê nas festas noturnas são garotos inseguros que para disfarçar a falta de arrojo brincam de se jogar uns contra os outros na pista de dança. Ou enchem a cara. E entre as meninas predomina o desespero para serem sexualmente desejadas, como se isso fosse grandes coisas. Meninas carentes da figura paterna. O prazer lânguido e sensual da dança parece estar desaparecendo. É gostoso que os jovens percebam o poder que tem uma sanfona bem puxada e o que é o prazer de dançar a noite toda "numa sala de sapê". Eu disse dançar, não pular.

Saí do cinema achando que o sofrimento forja pessoas melhores. Que a dor nos torna fortes, que uns catiripapos dos pais causam muito menos prejuízo do que a palermice dos pais de hoje.

Ficou a emoção e a saudade de um mundo que não conheci: o sertão com sua lua imensa, as danças nas salas de reboco, os vestidos de chita, o cheiro do couro, a maneira muito própria de "faze a corte" para a menina bonita, o "bença pai, bença mãe!" o fogão de lenha, as galinhas no quintal e uma vontade louca de que os pais se orgulhem da gente.

Amei conhecer mais sobre Gonzaguinha. Amei tudo o que foi mostrado com a sensibilidade como  foi mostrado. Valeu demais.

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